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João da Toca (In memorian)

quarta-feira 23 de outubro de 2013, por Fernando Oliveira

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João Cassiano Martins nasceu em 1934 e faleceu em 2013, em Cananéia. Ganhou o apelido de João da Toca por ter sido proprietário, de 1956 a 1986, do bar Toca da Onça, no Centro de Cananéia, local onde realizou muitos fandangos. “O bar, quando eu comprei, já tinha esse nome, Toca da Onça, já existia mais de quarenta, cinqüenta anos já existia. Isto vem de antes, o nome. A casinha era uma toquinha mesmo. Aí eu comprei esse bar. Já ganhei um dinheiro lá dentro e comprei a casa, reformei, fiz um bar novo. Ficou na história em Cananéia. Era o bar mais bonito. (...) Porque eu me vendo preso trabalhando na Toca da Onça, eu me lembrava dos fandangos, no sítio que eu andava, dançava, o meu pai fazia fandango no sítio, e aquilo pra mim era um desânimo, lá dentro do bar sem poder sair pra dançar, tocar viola, tocar um cavaquinho. Era isso aí, aí comecei a me lembrar dos fandangos. (...) No bar, eu cheguei a reunir o povo pra nós sair pra fazer o fandango, cheguei a reunir, fazer fandango, fazer a festa do rei e trazer o Divino Espírito Santo, que também tava morto.”

Filho de João Batista Teixeira e Lúcia Martins, João da Toca guarda na memória a infância no Guaxixim, bairro onde cresceu entre fandangos realizados por seu pai.

“Eu sou nascido num sítio, eu sou o caiçara, o caipira legítimo. Não nego, eu não nego, pra mim isso é muito bom, ser o caipira legítimo.”

A fartura das comidas e o preparo doméstico são dois dos aspectos que Janjão, como também é conhecido, destaca como mais marcantes dos fandangos feitos no sítio.

“A gente descasca a ostra, põe farinha e faz uma moqueca e faz um fogo e embrulha na folha da banana, põe embaixo da cinza, faz uma moqueca de qualquer tamanho pra tomar com café. Tem moqueca de ostra, tem moqueca de ostr com mexilhão, tem o tal do japê da ostra também, misturado com mexilhão, tudo isso é feito e embrulhado na folha da banana e enterrado na cinza. Usa-se a paçoca de carne seca pra tomar café, usa a paçoca de amendoim pra tomar café e usa o jabacuí de milho pra tomar café. O senhor sabe o que é jabacuí de milho? (...) Torra o milho, soca com farinha o milho e põe um pouquinho de açúcar, côa na peneirinha pra tomar com café, chama-se jabacuí de milho. E amendoim é a mesma coisa, torra, soca com farinha, põe um pouquinho de açúcar nele, aquele que não quer açúcar põe adoçante, pra tomar com café. Tem paçoca de indaiá também.”

Ele ainda se recorda de grandes tocadores dessa época. “Os melhores tocadores de fandango que existia chama-se Arquilino Lisboa e João Povida, esses eram os dois melhores tocadores. Depois deles existia o João de Deus que era aqui do São Paulo Bagre, e o Cupertino. Esse era tocador interado mesmo. (...) Depois tinha um parente meu também que chamava-se Targino Teixeira. Esse era o campeão! Essa gente do tempo antigo era tudo bom mesmo. (...) Rabequeiro também, tinha só rabequeiro de primeira qualidade. O pai de Leonardo Jacaré, que já faleceu, chamava-se Antônio de Freitas, esse era o tocador de rabeca da época.”

Na cidade, os tocadores pelos quais tinha admiração eram os violeiros Luis Pedro, João Mateuzinho e João Gomes e o rabequeiro Tito Lisboa, responsável pela folia de reis. Mais tarde, Janjão aprendeu a tocar cavaquinho e outros instrumentos de fandango e se tornou parceiro de grandes tocadores de sua geração.

“Ah, o Jacaré e o Antônio Tambor, era esses dois que era a minha alegria, porque é com esses dois que eu fazia tudo: eu tinha mestre de rei, tinha mestre de fandango, mestre de romaria, tinha tudo. Então, eu tava com eles dois eu tava com tudo na mão, por eles terem falecido que eu fiquei descalço, sem poder fazer mais nada, porque era meus ponta firme aquelas pessoa. É me desmontou tudo, porque fiquei sozinho, sem poder tramar nada.” João da Toca chegou a ter uma grande coleção de instrumentos de fandango, de vários construtores da cidade e arredores. “Eu tinha a rebeca, eu tinha a viola, eu tinha surdo. O surdo feito de madeira pelo homem do mato mesmo. Na época eu tinha isso aí. (...) [Conseguia] com os fazedor. A primeira viola que tive quem fez chamava-se Servino de Freitas, era o fazedor de viola. Ele morava aqui no Rocio de Cananéia. Agora o meu irmão, o Eurico, mais velho, adquiriu uma viola fabricada do Antônio Mendonça, que era pra frente do sítio Guaxixim que ele morava, esse era o fazedor de viola aqui do sítio já. (...) Rabeca também era Antônio Mendonça que fazia e o Servininho de Freitas, esse que morava aqui no Rocio de Cananéia.”

Em 1982, participou da gravação do LP Cananéia

“Tradição Musical e Religiosa” e, mais tarde, tocou cavaquinho no grupo Caiçara de Cananéia. João da Toca sempre foi uma das figuras mais importantes na organização de fandangos, romarias e reiadas em Cananéia.

“O fandango, isso eu faço questão em Cananéia de arrumar gente pra não deixar morrer o fandango. Ah, isso eu tô rente que nem pão quente.”

Fonte: Museu Vivo do Fandango